23 agosto, 2006

Orra, eu falo meu

“Nossa, essa menina está com um sotaque de paulistano!”
A frase foi dita de modo divertido pelo meu pai, quando eu tinha mais ou menos uns nove anos de idade. Eu, nascida e criada na Paulicéia, do alto da minha sabedoria infantil e dos meus “erres” marcados, não entendi a afirmação. Como, sotaque? Eu não tenho sotaque, pô.

O pleno significado daquele comentário eu só entenderia alguns anos depois, quando meus pais, interioranos saudosos da terra natal, decidiram fazer as trouxas e voltar para sua cidade. Com onze anos de idade, às portas da adolescência e em novo habitat, percebi a incrível diferença que pode haver entre pessoas que aprenderam a falar em regiões distintas, ainda que separadas por apenas 180 km de rodovia. Se você quiser descobrir de onde um paulista é – cidade, bairro ou região – é só pedir pra ele dizer as palavras “porta” ou “cerca”. Pronto, já sabe se ele é da capital, do interior, do litoral ou da Mooca. Por mais que ele corra mundo, algumas características da linguagem que ele aprendeu nos tenros anos não mudam nunca.

Foi o que aconteceu com o meu vocabulário cheio de “meu”, “cara”, “nooooossa” e “putz” naqueles primeiros anos. Quando em contava alguma coisa na escola, meus colegas paravam a conversa e pediam pra eu repetir tudo de novo, só pra ouvir o sotaque. “Você fala engraçado”, diziam. É verdade. Eu, por minha vez, me segurava também para não rir com os “esquerrrrrrda” e “larrrrrrrrgura” de meus novos patrícios. Meu irmão, na época com quatro anos e ensaiando ainda a pronúncia que teria, ia ouvindo o som ambiente e aprendendo também. Resultado: continuei sendo a única representante do “orra, meu” dentro de casa.

Com o passar dos anos, aconteceu uma coisa interessantíssima. Comecei a criar um sotaque misto. Os erres, nem marcados e nem acentuados, sumiram pelo meio do caminho. Adolescente, um dia fui pedir um livro emprestado a uma amiga. Tive que repetir o título: “Triste fim de Policapo Quaresma”. Policarpo? "É, isso mesmo, Policapo".

Quando voltei pra Sampa, quase uma década depois, demorei poucos meses para recuperar a plena forma do meu sotaque paulistano. Poderia contar aqui um milhão de “causos” que vivi ou presenciei, relacionados ao sotaque de amigos ou parentes. Afinal, minha família mora perto de SP e o intercâmbio regional é constante. Mas, só para não dizer que não falei de flores, termino o post fazendo também uma homenagem ao sotaque sulista – ao lado do mineiro, um dos sotaques mais gostosos que conheço. Alguns sons e palavras não precisam ser poesia para afagar a alma e o coração da gente. Maneiríssimo, mano.

por Paulistinha (é claro) :)

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembro do meu irmão mais velho voltando das férias no sítio e falando pros amiguinhos: "porrr morrr de quê??"

Praticamente um Tatuzinho.

E eu, que até hoje pronuncio CaRRne, só de ter convivido alguns pares de meses de julho e janeiro com os avôs interioranos.

O legal do sotaque é que você só percebe que tem quando alguém te avisa.

Beijo!