14 novembro, 2006
Arrivederci, Roma
Sempre tive uma queda por grandes cidades. Quando morava no interior, apesar das belas paisagens e do ar puro, fazia-me falta a vida, o movimento de São Paulo. Quando voltei, passados os primeiros tempos de adaptação do meu olhar – que àquela altura já era interiorano – me senti de novo em casa. A sensação de multidão, de diversidade, de inesperado me seduz. Sou bicho de cidade grande, apesar de todas as suas mazelas.
Natural, então, que uma das minhas maiores expectativas na peregrinação à Itália fosse a nossa visita a Roma, a Cidade Eterna. Como última parada do itinerário, nos prometia um gran finale. E por tudo que já conhecíamos e tínhamos lido, ouvido falar sobre ela, era nosso suspense constante. A cada cidade, a cada beleza inacreditável que víamos, pensávamos: o que encontraremos, então, quando chegarmos a Roma?
Expectativas contrárias, da mesma forma, não faltaram. Nos diziam que o povo de Roma seria intransigente, distante, pedante. Que em Roma não encontraríamos o mesmo tratamento que nos dispensavam no interior, onde fomos acolhidos como filhos e amigos. Que em Roma chove muito, embora seja uma cidade quente e abafada (nada a que nós, paulistanos, não estejamos acostumados). Que lá não se pode confiar em qualquer um, que se deve manter as bolsas e sacolas sempre à vista (alguém já viu isso em algum lugar?).
Bem, esperamos. E finalmente, no dia 20 de outubro, chegamos a ela - que nos recebeu com chuva, a primeira depois de 25 dias de sol na Itália. No dia seguinte, mais chuva. Mas nós, bravos paulistanos que somos, colocamos a bolsa nas costas e saímos explorando aquele mundo tão diferente, tão novo para nós.
E vou te falar, mano: Roma é tudo de bom. Para ela, faltam palavras. Ali, reconheci de cara esse espírito meio vagabundo das cidades grandes. Secular, milenar, porém. Uma cidade com todos os problemas da atualidade – mas talvez a única capital viva do mundo que é construída em cima de história pura, das ruínas e trajetórias de três ou quatro civilizações diferentes.
Muitas vezes não vale a pena pegar ônibus ou trem para conhecê-la, apesar de as distâncias serem grandes. Uma caminhada acaba sendo útil para queimar as gorduras de quilos e quilos de macarrão e pizza e para descobrir seus segredos, encravados entre as ruas de arquitetura medieval e clareiras urbanas: vire uma esquina e você dará de cara com a Fontana de Trevi. Outra, com uma das famosas piazzas onde foi filmado este ou aquele filme. Outra, com a igreja que abriga alguma obra de arte. E para descansar, uma parada em algum dos inúmeros pontos do comércio de rua - que durante o dia é uma festa. Pode-se encontrar de tudo nas barracas dos ambulantes de Roma: desde vestidos de noite até uma cozinha completa.
Bem verdade que, na correria de todos os dias, o habitante de Roma nem sempre consegue desfrutar ou explorar todos os seus tesouros – um pouco como nós paulistanos, que passamos todos os dias pelas belezas (escondidas ou não) da nossa cidade e só reparamos, de novo e de novo, no trânsito. E o trânsito de Roma é uma loucura, muitas vezes pior, penso, que o de Sampa - especialmente no centro da cidade, onde não se pode entrar de carro, salvo com autorização especial (ponto para as famosas motos italianas que dominam a cidade, ágeis, capazes de driblar o espaço reduzido das ruas seculares melhor do que os grandes carros modernos). Mas o romano que se preze, que ama e se orgulha de sua cidade, gosta de mostrar os tesouros da capital. Sem problema se o dia de trabalho o impede de acompanhar um visitante: a noite romana também é imortal.
Roma não possui um grande bairro de bares, uma "Vila Olímpia" ou uma "Vila Madalena". Mesmo nas regiões onde se concentra a vida noturna, os bares e danceterias são distribuídos pelas vielas, becos, em todos os lugares onde seja possível construir algo novo sem ferir o patrimônio histórico - diligentemente vigiado pela prefeitura. Em compensação, seus espaços abertos e as praças oferecem cumplicidade ao explorador. Não vou me esquecer da emoção que senti ao virar uma esquina, tarde da noite, e me deparar pela primeira vez com a silhueta monumental do Pantheon, iluminado pela luz indireta dos barzinhos em volta. De calar a garganta.
Para terminar bem o passeio noturno, vale a pena uma visita ao Rio Tevere. Os habitantes de Roma não colocam o rio que a corta a cidade entre as maiores belezas urbanas – talvez imaginando uma competição injusta com outros rios europeus. Mas o Tevere, discreto, escuro, quieto na sua luta contra a poluição (fenômeno que envergonha os romanos que, inocentes, nunca sentiram o cheiro do nosso pobre Tietê), tem um charme único - com sua ilha fluvial à qual se chega à pé, atravessando uma das suas belas pontes, e de onde se tem uma visão privilegiada das margens do movimento urbano.
E as ondas do Tevere, silenciosas e frescas no escuro de Roma, levam os sonhos de uma marinheira de primeira viagem em sua última noite na cidade, coroando um mês de intensa descoberta da alma. Decididamente, um gran finale. Arrivederci, Roma. :)
A foto lá em cima foi tirada em uma das pontes do Tevere - de uma simpatia que está em moda na cidade. É inspirada num filme italiano (não consegui descobrir qual) de alguns anos atrás, em que um apaixonado coloca uma corrente em uma pilastra da ponte, com seu nome e o nome da amada. Desde então, podem-se ver correntes com nomes de enamorados por todo o rio. :)
por Paulista
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Um comentário:
Puxa, Ju, você estava falando de Roma ou de Sampa? Guardadas as devidíssimas proporções, somos mesmo duas vagabundas cidades bastante similares. Precisamos é aprender, com eles, romanos, a cuidar de nosso legado histórico. Temos muita coisa a ser "emergida" e preservada aqui, inclusive os fragmentos soterrados de nossa herança indígena e negra, tão secular quanto as "par de" civilizações que invadiram Roma.
Enfim...estou amando seus posts sobre a Itália, continue nos brindando, plis!
Beijão
Fê
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