06 outubro, 2007

Linda terra de céu sempre azul*

Balões decolando do Aeroclube de Rio Claro, durante o 1º Campeonato Sul-Americano em 2006
(Foto: Gabriela Slavec)


Muito bem, cá estou de regresso. O que seria de mim se não fosse a mana gaúcha para me dar uns puxões de orelha? Hehehe... na verdade, em meu exílio involuntário, havia já pensado em escrever aqui um post sobre as coisas que andam me fazendo falta, e das quais pretendo matar as saudades na minha volta à Paulicéia. Mas gostei tanto da idéia de falar sobre minha atual paragem, nesses tempos de recuperação, que decidi antecipar esse tema ao outro. Vamos às terras rio-clarenses, pois.

Rio Claro, palco de minhas férias involuntárias dos últimos meses, não é minha cidade natal. Mas é a cidade de minha história familiar, primeira referência geográfica externa que aprendi a ter na vida. Com 170 mil habitantes, fica a 180 km de São Paulo. Tem praça chamada Liberdade, igreja Matriz de São João Batista, avenida principal Visconde de Rio Claro. Tem corpo de bombeiros, dois times de futebol e uma alameda bonita que leva ao cemitério, cheia de árvores, chamada Saudade. Tem colônias alemã, italiana e portuguesa. Tem brasileiros de diversas raças. Tem carnaval de rua, lendas urbanas do tempo dos escravos, quermesse em junho, parque de diversões, orquestra tocando no Natal e fogos de artifício no Ano Novo. Tem campo de aviação com esquadrilha da fumaça e campeonato de balonismo. Tem periferia e também Clube de Campo para os representantes da high-society.

De tempos em tempos, a cidade sofre com as queimadas de cana-de-açúcar dos arredores, que espalham fuligem preta pelo ar, pelos varais e pelas águas da região. Ainda assim, recebe o apelido de Cidade Azul, pela cor profunda e permanente de seu céu. Quase todos os adolescentes andam de bicicleta, aproveitando as ruas planas e o clima ameno. Se chove, chove pouco e forte. A chuva sempre é limpa e deixa um cheiro de terra molhada que reacende minhas lembranças de infância. O ar da cidade é seco, e no entardecer circula um vento leve e amarelo, que ficou, ao lado do gosto de vinho quente, nas minhas lembranças de adolescente.

Alguns filhos ilustres levaram ou levam o nome da cidade por aí. Nas rodas de samba de Narciso Trevilatto nos Demônios da Garoa, nas noites de amor cariocas de Dalva de Oliveira, nas lutas pelas Diretas de Ulisses Guimarães. E outros, embora não filhos da terra como esses, compartilham mais ou menos o mesmo cenário das lembranças de infância: Rita Lee, em visitas infantis à tia; o casal Julia Lemmertz e Alexandre Borges, que vez ou outra passa por aqui para ver a família; ou Débora Duarte e depois a filha, Paloma Duarte, ex-alunas internas do colégio onde minha mãe, e depois eu, estudamos.

Nas ruas de Rio Claro é impossível andar sem encontrar alguém conhecido. Sua tranqüilidade favorece a corrida rápida de notícias e, é claro, também o melhor controle sobre a vida alheia. A cidade foi, durante muito tempo, meu contraponto com o resto do mundo – com os meus sonhos adolescentes de fazer mala e correr estrada, minhas adivinhações de amores e vontades, que eu tentaria concretizar mais tarde. Foi motivo de conflitos e insatisfações, numa época em que todos nós, lutando para crescer, nos tornamos mais ou menos injustos e egocêntricos. Mas foi também fonte da quietude da qual senti falta quando saí da redoma de vidro; uma falta doída e insuspeita, que me fazia chorar à noite nos meus primeiros meses de São Paulo. E passado o choque de bater asas, virou referência de finais-de-semana por ser ainda ninho familiar e ponto de encontro dos amigos que, também tendo batido asas, para ali retornavam em busca de um chopp, de ombros amigos e das antigas e boas piadas.

A verdade é que, tentando escrever um texto um pouco mais objetivo sobre a cidade, percebo que a tarefa é mais difícil do que pensei: minha relação com ela nunca foi, nem poderia ser, indiferente. Daqui vêm as histórias de recomeço e luta de meus avós, que vieram singrando mares, buscando vida melhor. Da infância de meus pais, entre praças, árvores e rios, infância que um dia também tentaram me dar. O porto seguro para onde eles retornariam sempre, depois do trabalho, do estudo e do crescimento que, jovens, buscaram em São Paulo. Foi desejo meu, infantil, de passeios e brincadeiras nos finais de semana. E depois, revolta adolescente por ter se transformado num endereço que não escolhi. Mas com o passar dos anos, daqueles mesmos anos, se transformou também em fonte de referências para todos os sonhos que eu iria buscar depois. Para aqueles que se parecem com a paz das tardes dela, e para aqueles que são seu contrário. Tudo, afinal, partiu daqui, do tempo em que fui criando a consciência de que precisava virar gente, andar com as próprias pernas. Foi onde aprendi novas referências, descobri a paixão pela música, os amigos e valores que curariam qualquer tristeza. Foi onde intuí que existem formas diferentes de viver, de sentir o mundo. Foi onde aprendi que nenhuma história pode ser desprezada.

Por isso, saindo de uma tempestade sob os raios paulistas desse sol de outubro, não vejo outro jeito a não ser tirar uma licença poética (ainda que duvidosa... hehe) para falar da cidade. Como um aviso, vivi a situação de ser tirada do olho do furacão, dos meus pensamentos tão auto-centrados, e ser colocada aqui de novo por algum tempo, para pensar na vida. Os últimos dois meses tiveram peso e tamanho de uns dois anos para mim. Outro outubro intenso, embora diferente daquele de 2006, em que eu estava em tão distantes paragens, aprendendo tanto sobre o mundo, sobre o Brasil, sobre como conviver e sobre mim mesma.

O outubro de agora traz outro mergulho, no silêncio de meu quarto de adolescência, nas ruas que eu percorria com meus 15 anos, na visão das meninas e meninos uniformizados andando pela calçada em plena terça-feira à tarde, como eu já fui um dia. A vida era bem mais simples e eu não sabia. E, mesmo que eu já adivinhasse o que viria depois, e adivinhasse também que não trocaria aquela vida futura e complicada por nada no mundo, hoje percebo outra verdade: no fundo, o que a gente procura é sempre uma forma de voltar a ter as certezas que tinha na aurora dos sonhos, quando sabia direitinho o que era preciso para ser feliz.

Por: Paulista multicidadã :)

* O título do post é um trecho do hino oficial da cidade.

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Ju e Taís!

Adorei o post. Aproveitei para repassar para uns amigos e fazer propaganda do blog de vocês. ;-)

Beijão.
Paula

Anônimo disse...

UHU MANA!!
Que alegria ter você de volta por aqui!!
E ainda mais com um texto LINDO desses!
É incrível como coisas simples de nossa vida nos fazem refletir sobre tudo que vivemos e ainda desejamos viver!
MUITO LINDO JUBS!
Sem falar a vontade de voar nesses balões MARAVILHOSOS!!
Agora fala sério mana: Cris e eu temos o sonho de voar de balões, mas nunca conseguimos ir a Santa Catarina na época dos campeonatos..e olha só..quem diria heim? Rio Claro nas paradas!
Mais um motivo para conhecermos a cidade!
Beijão querida!
E volte sempre ;)

Anônimo disse...

É... as vezes o mundo parece jogado aos nossos pés, porem dias que nosso quarto se torna um universo intransponível, de onde nem nossos pensamentos conseguem sair. Qual dos pareceres são reais... isso só você pode me dizer. Já, o Rio de Janeiro continua lindo, e tuas palavras e a de tantos outros. Gostei do post =)

Juliana disse...

Bom, como a Paula não colocou aqui o ótimo email com as complementações ao meu texto, coloco eu... obrigada pela colaboração, amiga! Saudades!

Olá, pessoas!

Tudo bom?
Para quem não conhece Rio Claro, terra natal da ilustríssima que vos fala, segue trecho de um post do blog de uma grande amiga. Nos conhecemos há 12 anos e ela tb é jornalista e agora mora em SP, mas digamos que é bem mais disciplinada que eu para manter um blog no ar.
Com o texto, dá para ter uma idéia de como são as coisas por lá, mas eu completaria que é uma cidade cheia de universitários - por ter dois campi da Unesp -, faz muito calor, teve um time tradicional de basquete que agora agoniza para tentar se reerguer e tem um Horto Florestal que eu conheço como meu quintal. E, é claro, tem as ruas indicadas por números e letras no lugar de nomes - meus pais moram na Rua 9-B, por exemplo. ;-)
Beijos para todos e ótima semana!
Paula

Obs.: minha amiga foi atropelada na Paulista e está em casa de molho há dois meses.

Fabiano Cozinheiro disse...

Ahhh eu também quero estar na lista do famoso pastel com chimarrão

Anônimo disse...

Adorei, Juliana ! Também estudei no Koelle (de 72 a 76...), sou rio-clarense nato, e o tempo só serve para mostrar quão importante essa cidade foi, e ainda é, para mim e minha formação. As suas palavras sobre a fuligem... puseram-me de novo na minha infância, e também sobre esse cheiro de terra molhada. Que saudades. De um rio-clarense no exílio voluntário há mais de 20 anos.

José B. M. Moraes (Benê, nos tempos do Koelle)

Anônimo disse...

Olá, me emocionei ao ler seu post sobre a cidade. Me mudei para Rc com 17 anos com a família em 91, e aí morei até 2007. Sou RC de coração, aí cresci, me formei e fiz minha vida... Adoro essa cidade e seu povo. Me identifiquei muito na forma como descreveu tudo.
grande abraço!

Nat Capello