25 junho, 2007

Qualquer maneira vale a pena


Todo mundo sabe que o Rio Grande é terra de Macho. Que a grande fartura de anedotas sobre gaúchos afeminados é pura intriga da oposição. Eu acredito nisso com toda a força da minha alma. O Rio Grande do Sul é a terra dos homens mais lindos que eu já vi (sem desmerecer, logicamente, os representantes dos outros estados deste maravilhoso Brasil). Mas sei, também, que os nativos do solo gaúcho sobrem à pampa com essa história de que todo gaúcho é gay.

Tenho minhas teorias particulares para explicar essa fama - se certas, não sei. A primeira delas tem a ver com o jeito gaúcho de ser. Pode ser mera impressão pessoal, mas eu acho o homem gaúcho um dos seres mais cortezes e gentis que existem. Não sei como se dá o fenômeno da convivência prolongada com os referidos mancebos - afinal, sabemos que a herança cultural tropeira prima pelas tradições machistas. O que sei é que, até a página 9 (onde me foi dado conhecer até hoje), os gaúchos são a mais perfeita e fina flor do cavalheirismo. Educados, não te olham como se fossem te comer a qualquer momento. São poéticos. E são também facilmente capazes de desenvolver uma amizade sem intenções ocultas. Podem passar horas conversando com você, num papo bom mesmo, sem tentar te cantar, se perceberem que não é pra isso que você está ali. Não, meninos do Brasil, isso tudo não é sinal inequívoco de boiolagem. Mas contribui para a fama inventada para eles, acho eu, por outros que possivelmente sofrem com a falta de jeito ou medo de mulher (e afinal, machões, qual é o Homem que tem medo de mulher?).

Minha outra hipótese para a reputação piadística dos pampas tem a ver, dessa vez sim, com os gays gaúchos mesmo. Imagino que a terra daqueles que destruíram os relógios dos 500 anos de colonização (como eu soube numa elucidativa aula de história recente gaudéria, no último feriado) ou que serviu, orgulhosa, de primeira sede do Fórum Social Mundial, saiba um pouco como lidar com a diversidade e com aqueles considerados "malditos" pela tradição, família e propriedade. Ou seja, para além dos rincões do machismo ancestral, deve morar nos pampas um olhar de maior respeito e aceitação pela diversidade de gêneros e transgêneros. Também não privei da convivência gaúcha o suficiente para comprovar essa hipótese, mas penso que ali os casais homos devem ter menos medo de se mostrar. Ou, ao contrário, talvez tenham que se afirmar ainda mais para ter voz em meio a costumes tão tradicionais. Parece contraditório, mas uma terra que mistura tanto a tradição e a modernidade deve ser assim mesmo. Não cabe no simplismo das piadas.

Mas eu disse tudo isso, na verdade, para afirmar uma característica bem paulistana nesse quesito. Se o gaúcho carrega a fama, é a terra paulista a responsável por abrigar o maior evento do gênero do país e, algumas vezes, do mundo. A Parada Gay de 2007, que aconteceu no último feriado, reuniu na Avenida Paulista mais de 3,5 milhões de pessoas. Atualmente, é a maior festa anual da cidade. Reúne mais gente do que a corrida de São Silvestre ou o desfile das Escolas de Samba no Anhembi. Ultrapassa, em alguns anos, o número de pessoas da parada de São Francisco, nos EUA, símbolo pioneiro desse tipo de evento. Em 2007, levou para a rua simplesmente 2,5 vezes a população da cidade inteira de Porto Alegre.

Assistir ou participar da Parada Gay de SP é experiência única, independente da orientação sexual. Aí reside o grande trunfo do evento, responsável, a meu ver, pelo fenômeno de público: mais do que evento de luta, a Parada é sobretudo é uma Festa de Afirmação. Um gigantesco e colorido palco, onde todos podem ser o que quiserem.

E vale tudo. Trios elétricos carregados de anjinhos pulando só de sunga e asinhas. Carros de som com mulheres vestidas de deusas gregas, cantando Cássia Eller. Borboletas de dois metros de altura e 4 na envergadura das asas de purpurina, disparando bolinhas de sabão pelo ar. Bandeiras e mais bandeiras tremulando. Casais homos, casais heteros, amigos, e até crianças e vovós, prestigiando seus familiares. A Parada oferece cenas insólitas e divertidas para olhares despidos de preconceito, como a vovó que vai prestigiar o neto, um mulato 2x2 vestido apenas de bota, purpurina e tapa-sexo, arrasando na avenida. Ou a moça (?) de vestido de renda rodado, vermelhíssimo, à la Maria Antonieta, caminhando por entre as barracas da feirinha de antiguidades do MASP. Os halterofilistas tomando cerveja e ouvindo poemas ao lado da avenida.
É isso que esse evento oferece, na verdade: a oportunidade de treinar o olhar - ou destreiná-lo das coisas comuns, do senso de todo dia - e ver a liberdade invadir a principal a Avenida da cidade. Ver pessoas dançando, se abraçando e cumprimentando umas às outras ao sol, sem medo ou receio de olhares tortos. Uma loucura alegre, que pode até abrigar excessos em raros momentos (em qual multidão não os há?), mas cuja tônica - sempre! - é mostrar, com alegria, que todos tem o direito legítimo ao respeito.

Depois de dizer que eu fui à Parada Gay, em um dos anos passados, muita gente resolvia emendar em seguida ao meu comentário: "Eu também estava lá!". Ainda é um pouco difícil para muitos entender como um evento como esse pode reunir pessoas tão diferentes entre si. Eu, do meu lado, tenho orgulho em saber que minha cidade tem como maior marco de seu calendário anual uma passeata que celebra a Diversidade. E que mostra, mais uma vez, que a bandeira e o coração paulistanos foram e são feitos de muitas cores. :)


Por: Paulista que não pode ouvir It's raining man numa pista de dança! :)

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